Benedito

O dia começa em Santo André.

Depois de semanas de calor atroz, eis que uma manhã ousa começar um pouco mais fresca, menos intensa na fúria dos raios solares do verão de janeiro. A volta é pelo centro e o encontro com Benedito se dá ali pelas ruas da Centro. Ele caminha calmamente.

Tem um carrinho de supermercado com alguns pertences dentro, umas folhas de papelão, um cachorro do lado, Leão, o nome. Nos encontramos e vencido o receio inicial ele topa falar conosco. O caminho é em direção da Praça do Carmo para depois ver como será o dia. Benedito não tem mais pressa. Conta que tem 63 anos, desde muito tempo está a viver pelas ruas não só de Santo André, mas do mundo. Já esteve em várias Cidades, lugares, tentou sempre ser feliz e o máximo que conseguiu foi sobreviver. Para algumas pessoas, sobreviver, resistir é um ato heroico. A sua maneira, mesmo que talvez recuse a alcunha, Benedito também é um desses heróis.

Convidamos ele para tomar um café, ele gentilmente recusou, disse que acabara de tomá-lo. As pessoas que o conhecem de tanto vê-lo circular pelo Centro, sempre o concedem essas refeições básicas. Quando não, ele sempre descola algum para ir até o restaurante popular. Assim vai se mantendo. Conta que tem família sim. Filhos e sabe que tem netos também que ele não pôde ver.

“Não teria problema ir ver eles, eu acho. Mas tem coisa da vida que é como tem que ser, eu acho melhor assim, tenho minha vida, eles lá tem a deles. Já são mais de 30 anos vivendo assim, não tem como mudar. Sigo meu caminho”

O rosto de Seu Benedito não carrega mágoa. Ele não passa nada ressentimento, pelo contrário; Na medida do possível, tem uma paz de espírito grande e isso o ajuda a se manter em meio a loucura. Como foi no começo da pandemia que nos assolou.

“Eu procurei ver o que era preciso fazer, escutei umas pessoas, descobri que tinha que lavar as mãos e usar máscara. Quando vi tudo fechado, as ruas vazias, entendi que ia ter que seguir firme nisso. Da aglomeração num tinha medo porque na rua não tinha muita gente. Preocupação mesmo era como ia fazer pra me virar, mas graças a Deus tudo deu certo”

Algumas ONG's e ações individuais garantiram a comida e a higiene pessoal daquele primeiro momento. Isso fez com que Benedito fosse se aguentando. Fez passar o que para ele foi o período mais complicado, mas ele não vê isso acabado.

“Agora diz que voltou tudo de novo né? E já não tem mais aquela gente toda ajudando, mas eu mesmo sigo me cuidando e assim acredito que vou passar. Tem esse negócio de vacina né? Então se pensar bem tá melhor que naquele começo quando a gente não sabia de nada.”

Perguntado sobre a vacinação, tendo quase a idade para tomar desde já a primeira dose, Benedito já não tem muita pressa:

“Minha vida não vai mudar nada. Eu deixo pra quem precisa mais, os mais velhinho, mais necessitado. Eu posso esperar um pouco mais, me viro.”

Terminada a conversa, Benedito se despediu com um sorriso terno, seguiu empurrando seu carrinho de supermercado, com o cachorro Leão a seu lado.

Ele foi se virar.

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