FRED

O sol é arrebatador na Cidade de Santo André.

Janeiro não é um mês muito afeito para maiores confortos de quem batalha a vida no asfalto. Este, quase sempre é insanamente quente, numa cidade de poucas árvores, verdes nulos e muito, mas muito concreto, pedra e sisudez. Afinal, uma metrópole.

O local é a região de Santa Terezinha, segundo subdistrito de uma cidade dividida por um Rio Tamanduateí quem em outras épocas foi límpido e bucólico. Hoje é um corredor de águas turvas, de um marrom violento, proibitivo e nervoso. “Do lado de cá”, como dizem os habitantes da Cidade, olhávamos o vai e vem das pessoas, quando encontramos nosso amigo, Frederico.

Frederico que pediu para ser chamado de Fred. O antigo nome o remetia às lembranças as quais ele não quer mais ver passar pela sua mente. Como ele fez questão de dizer “Não é que fujo das lembranças porque afinal eu vivo elas todas no dia a dia. É que não tem nada a ver ficar falando disso aqui”. O Fred passava ali pela Rua Varsóvia com seu carrinho de reciclagem lotado. Era 11:40 da manhã e ele já tinha um material para levar no ponto de coleta para ser vendido e levantar a primeira féria do dia. Nos olhou como quem vê alguém que precisa dele. Precisávamos.

Ele parou sua carroça numa sombra possível e gentilmente topou falar conosco. Fred tem 47 anos é alto, esguio, fala muito bem, gosta da conversa e achou interessante o tema dessa reportagem. Topou falar. Antes a reportagem o chamou para comer um pastel que ali era vendido, ele recusou:

“Puxar carrinho não é mole. Preciso me manter em forma, não gosto de comer coisa frita não”

Fred nos contou que é ferramenteiro. Assim se formou no antigo curso Senai. Da família não falou, julgou que estava entre as coisas que não tem nada a ver. Disse que sua vida ia bem até a chegada do desemprego, de umas frustrações, outras crises que o acometeram na vida, mas não se abalou por completo em nenhuma delas. “Essa carroça aqui é minha. Ganho a vida com ela, rodo pra cima e pra baixo e irmão, minha casa é em qualquer lugar onde eu possa ficar de boa, tirar meu sono, tá ligado? Eu vivo da maneira que tem que viver”

A sensação que fica é de que tudo pode acontecer a Fred. Ele concorda, pode mesmo. Mas ficar exposto não é o maior dos problemas que ele nos relata.

“Nem sempre o dia é bom aqui na reciclagem, aí preciso de ajuda. Sempre tem aquele dono de bar mais da hora que descola um rango pra nóiz, um marmitex, em Santo André a gente desenrola. Problema que ali por volta de março do ano passado, começou fechar tudo, todo mundo sem trabalhar. Foi assim que descobri que tava acontecendo essa tal pandemia”

Fred nem titubeia quando fala do que mudou com a pandemia, ou do que não mudou:

“Esse lance da rua ficar deserta né? De não ter muito carro aqui nas estrada, todo mundo trancado em casa. Mas eu não tive escolha precisava dar meu jeito, me virar, tentar pegar latinha, fazer o que dava. Na verdade, se for ver pode até parecer que não mudou muito, mas mudou sim. É meio estranho ver a cidade vazia, sem muito barulho, sem os carros.”

Enxugando o rosto e se preparando para seguir estrada ele relata o que pensa sobre pandemia, futuro e Brasil:

“Não é que não acredite nessa coisa de futuro, mas é que eu não posso ficar esperando né Mano? Tenho que dar meus pulo, fazer meus corre, acho que daí não sobra muito tempo pra ficar pensando nas coisas todas. Pode ser errado até, não sei, mas assim que é. Ah, quero que todo mundo fique legal, essa coisa de vacina e tal, mas também me preocupo com o dia a dia, o hoje né? Senão não como”

Mesmo com reiterados convites para almoçar com a reportagem, Fred recusou gentilmente, disse que não tinha tempo, precisava seguir na sua luta. Nos despedimos, desejamos boa sorte mutuamente e ele, com as costas queimadas e encharcadas de suor e canseira, saiu pelo asfalto quente empurrando sua carroça até a próxima possibilidade.

Fred, seguiu.


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