O céu é cinza na cidade de Santo André.

A bruma pesada que recheia as nuvens do Abc com monóxido de carbono, fumaça, melancolia e drama, dão a premissa desses dias turvos que vivemos. Não há, portanto, nada de receptivo aos nossos que por aqui habitam, a realidade que se coloca.

É janeiro de 2021.

O mundo entra no seu décimo mês de Pandemia. O coronavírus chega para mudar tudo na vida humana na terra. Não há mais abraço. Ninguém mais beija ninguém. A nova ordem mundial proíbe todo e qualquer tipo de aproximação, receita isolamento prega que, ou ficamos trancados ou vamos morrer. A vida é tensa, mas para uma parcela da população, essa tensão não é novidade.

Meio-dia e quarenta. O relógio aponta que meio-dia está indo embora. O centro de Santo André tem o seu vaivém reduzido, mas ele ainda existe. As pessoas que são compelidas a estar na rua, seja por necessidade, seja por resiliência, seguem com suas cabeças baixas, concentradas em seus mundos pessoais, sentindo os suores do rosto incomodando seus olhares, molhando as imprescindíveis máscaras, sem poder enxugá-los. É como se a gota de suor que escorre a cara, fosse a renitente lembrança de que nossas vidas não serão mais as mesmas. Em detrimento a esses, tem as pessoas que já não tem mais por que correr…

São pessoas que cuidam de seus patrimônios poucos, as vezes apenas algumas folhas de papelão, uma sacola com o que se pode ter de alguns pertences, pasta de dente, escova, quando sim um desodorante, papel higiênico e um cobertor. A região da Praça do Carmo, centro de Santo André, tem um considerável número de moradores de rua. Pessoas entregue às suas próprias histórias, aos seus todos dramas, se virando como podem em meio a pandemia do COVID 19. Um deles vem em direção da reportagem.

Um homem de estatura média, pele queimada de sol, andando em um passo denso, quase calmo. No ombro carrega um cobertor, na outra mão traz o carregador de seu celular, um rádio e o necessário telefone celular. Passa por nós, vai até a concha acústica, onde outrora foi palco de shows e prazeres da Cidade e hoje, serve de sua morada, onde ele no mínimo se protege de chuva e outros ventos mais abusados. Ele espeta o carregador numa tomada da Concha, ajeita o papelão, se senta e olha para o telefone. Nessa hora chegamos. Perguntado se podemos conversar, “sim”. Começa nossa conversa.

“Não sei dizer quando vim parar aqui, essas coisas do tempo já não me importam muito, se preocupar pra que? Mas tive um problema na família logo depois que fiquei desempregado, comecei beber muito, daí vim pra cá. Tem um bocado de anos sim. De vez em quando vou lá na casa deles, mas meu lugar agora é aqui”

Sérgio, nome que ele me deu, seguiu por lá preparando seu espaço. Com muita delicadeza, estica seu papelão, se senta e com uma extensão consegue ligar rádio e o carregador do seu celular. Esses dois aparelhos são sua conexão com o mundo.

“Eu escutava alguma coisa desse negócio de pandemia né? A rádio falava. No começo num dei muita importância, mesmo porque não ia fazer grande diferença. Depois comecei a perceber que o Centro aqui tava ficando mais vazio, que as lojas estavam fechando, os bares e os comércios todos, nunca tinha visto coisa igual! No começo deu um susto, mas depois eu até que não achei ruim porque tudo ficou mais calmo, sabe? Só tinha a gente na rua. Quando aparecia alguém, era as pessoas das ONG’s oferecendo marmitex, depois deram também máscara e álcool que a gente num tinha por que era caro. Mas quem se virou fui eu mesmo com minhas reciclagem e com o que eu conseguia no farol”

Perguntei para Sérgio se a vida dele tinha mudado muito, se depois desses 11 meses se ainda tinha alguma esperança de que as coisas mudassem. Ele nem titubeou para responder:

“Mudar não mudou nada. Tá pior porquê a bagunça voltou, correria e tudo mais. Esperança eu tenho de ficar vivo né, você vê, tô na rua, não tem ninguém por mim, ninguém por nós. Mas se eu consegui viver até aqui, sei que vou conseguir seguir, diz que tem até esse negócio de vacina, mas eles não vão vacinas o povo de rua né? Seguimos então do nosso jeito.”

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